Eu e a moda nunca nos demos muito bem. se quem me conhece
assume claramente a falta de gosto que se respira, eu que tenho visão
privilegiada sobre o quadro assumo apenas desfasamento temporal e gostos.
Falar de moda é mais ou menos como falar de musica, cada um
tem o seu estilo variando do clássico ao heavy.
Tropecei na moda, por mero acaso em 1976 com uns tenros 75
meses de idade. era um belo rapaz a caminho do seu primeiro dia de escola.
A moda só é importante porque o nosso clima não nos permite
andar nus. é a minha opinião.
Impecavelmente preparado pela mãe, sentia-me sufocado pela
moda, as calças até não estavam mal, mas a camisinha dentro das calças e o
pullover em bico com risquinhas azuis, vermelhas e brancas era demais.
Mas não, o menino tinha de ir perfeito. O caldo entornou-se nos
sapatos.
Os sapatos foram a gota de água numa moda que não era a
minha.
Sem me aperceber tinha entrado em guerra com a moda: esta
seria camisa para fora das calças, pullover nem vê-lo ou pelas costas e
ténis!!!
Fiquei de ténis, perdi em tudo o resto.
Um sábio afirmou que nenhum teimoso teima sozinho e eu que
considero ter uma forte personalidade, encarei esta primeira batalha como a
primeira de muitas numa guerra que tinha de ser travada pois a moda a isso obrigava.
Durante a década seguinte a guerra seguiu o seu percurso
normal, com batalhas diárias ou quase, até á vitória final.
A vitória final só aconteceu em 1986, passando a moda a viver
em liberdade, uma dúzia de anos depois do país.
Com a liberdade normalmente chegam os excessos, contra todas
as expectativas a minha moda não mudou muito.
Os ténis passaram a ser o único calçado permitido, calças só
de ganga, t-shirt ou camisa para fora das calças, acabando tudo com num
penteado de cabelo comprido ou apanhado em rabo de cavalo.
A minha moda trazia variantes, mas a essência, a alma era única.
As variações compostas por t-shirt de manga comprida por baixo de outra de
manga curta ou t-shirt manga curta ou comprida com camisa desabotoada a servir
de casaco. esta tinha efeito devastador nos meus pais.
“Filho pareces um maltrapilha”, afirmava a minha mãe
desgostosa.
Sentia-me confortável com a indumentária e confiante do meu
bom gosto, independentemente dos comentários dos meus progenitores.
Para entendermos uma época, qualquer época - temos de olhar
para o seu rei e eu, recentemente coroado, tinha como objectivo ser um rei
justo.
Uma casa com 3 galfarros onde os pais passam o dia no
trabalho não é facilmente governável e o novo rei foi forçado a criar regras.
As regras são muito importantes pois estruturam a vida,
tornando-a mais simples.
Possivelmente influenciado pelo campismo, foram criadas 3regras, a saber:
1º - Tudo o que o Rei diz é lei.
2º - Todos são livre de fazer o que quiserem desde que respeitem
o rei ou a sua vontade.
3º - Não existem mais regras.
As famosas 3 regras serviam para tudo e num reinado de década
e meia foram apenas observadas 2 grandes falhas, na comida e na moda.
Na comida era tudo simples, chega para todos mas o Rei é o primeiro
a servir-se, depois do Rei se servir convenientemente, servem-se os Príncipes
hierarquicamente.
A moda foi mais complicado…
O ARMÁRIO
O armário era o local onde a moda era armazenada, sendo
dividido em 2 zonas distintas, a zona do rei e a outra zona.
O rei, tentando ser um rei justo oferecia a sua roupa aos príncipes,
mas nenhum a aceitava, coincidindo a sua opinião com a da Rainha/mãe,
resumindo, toda a discussão se centrava na outra zona do armário.
O Rei/pai não se metia em coisas de moda e influenciado pelo
Rei este tipo de assuntos funcionava o deixa andar, intervindo apenas quando o
barulho se tornava incomodativo.
O Rei calmamente voltou a explicar as regras aos príncipes
pedindo que se entendessem, nada feito, a moda tinha causado nova guerra.
O Príncipe, segundo na ascensão ao trono, trabalhava
arduamente nos meses de verão para puder comprar a roupa que bem entendia,
sendo a sua moda muito apreciada pelo príncipezinho.
O Rei não era capaz de vestir nada daquilo, nem que lhe pagassem,
já o Príncipezinho, ao abrir o armário, olhava cuidadosamente para tudo o que
existia do centro para o lado direito, com um sorriso rasgado.
Dedilhando a roupa, com um ligeiro toque de piano ia
decidindo a indumentária adequada.
A rédea solta, até chegar ao bebedouro deu raia!
- Mãe, onde está a minha camisa XPTO?
- Está para lavar!
- Mas eu não a vesti! MAAAAAAARCIO, ANDA CÁ!!! E estava o
caldo entornado…
Estás proibido de vestir a minha Roupa, diz o Príncipe.
O Príncipezinho tinha um problema grave para resolver, se por
um lado ninguém lhe tocava na presença do Rei, por outro o Rei não passavas as
24 horas do dia no palácio…
A escolha era difícil e o Príncipezinho sentia-se dividido,
olhando novamente para o armário, encheu-se de coragem e confrontou o Rei!
- Filipe, posso vestir
a roupa do gajo?
- Podes, podes vestir a dele e a minha.
- DASSSSSSS, a tua é feia como o Caraças.
- Vais arranjar merda, sabes que o Carlos com a roupinha não
é para brincadeiras.
- Tu, proteges-me e ele não me bate.
- Quando eu cá estiver estás à vontade…
- Eu prometo ter cuidado, não sujo e assim não vai para
lavar.
O Rei concordou, a inocência na sua forma mais pura é desconcertante,
conhecendo ambos as chances do Príncipezinho sair impune eram idênticas às de
um bombardeiro Russo com bombas ar/terra contra um caça Turco com misseis
ar/ar.
Estás encavado afirmei, passando o braço por cima do Príncipezinho em sinal de apoio.
Com a cabeça a fervilhar o Príncipezinho desenhou um plano.
Os nossos pais tinham uma loja de pequeno comercio que ficava
estrategicamente colocada entre o palácio e a escola, bastava
ter lá uma muda de roupa e tudo estava bem…
Em plano ganhador não se mexe, diz o Príncipezinho ao Rei esfregando
as mãos de contentamento.
O outro Príncipe sentia que estava a ser enganado a cada dia
que passava, mas sempre que encontrava o Principezinho este não estava a
quebrar o suposto acordo, vestindo a sua roupa.
O Príncipe mais velho, tem defeitos como todos nós, mas parvo
não é um deles.
A conversa quando rondava o assunto dava risota geral no
palácio e isso era insuportável.
Sob a minha alçada o Príncipe cresceu forte e robusto, pensar
rápido é obrigatório, se fores lento és entalado, isto não são regras é mera
constatação de factos vários, ponto.
Não provo por esse lado vou cheirar a roupa! Em paço de lince
chega ao quarto, abrindo o armário com cara de poucos amigos afirmou:
- Vamos lá tirar a
prova dos 9, se alguma coisa cheirar a suor levas…
MAAAAAAAARCIO, VAIS LEVAR UMA TAREIA!!!
O Rei que não gostava de circo, tinha aqui uma fonte de
divertimento gratuita e inesgotável.
Mantendo as regras o Rei impedia o Príncipe de malhar no Príncipezinho,
adoptava uma atitude neutral quando o mais novo, pianava o centro-direita
do armário.
Foram 3 camisas, diz o Príncipe quase em desespero, CABRÃO
quando eu te apanhar.
- Filipe bate tu ao
gajo pá, para ele não vestir a minha roupa, pedia o Príncipe com ar de
injustiçado.
Não posso, o Rei não bate, só bate quando é estritamente
necessário, já me estás a chatear… e a vida continuava.
A variável e a constante era como eu na altura via a coisa.
A variável era engraçada pois de cada vez que o Principezinho
era apanhado tornava-se mais esperto, não repetindo os mesmos erros.
A constante era a idade do Príncipezinho, sendo meia dúzia de
anos mais novo era presa fácil, para um Príncipe que cresceu com a “educação”
proporcionada pelo Rei.
Os dados estavam lançados e o Principezinho tinha um plano,
com o cérebro a pulular, olhou para o Rei de sorriso rasgado e olhos
esbugalhados, as sobranceiras esticadas e puxadas para cima não enganavam ninguém,
já existia solução para o problema.
Fantástico! Isto é fantástico, basta por perfume e resulta!
Deixa de cheirar a suor.
E assim nasceu mais uma estratégia, com o destino traçado, cada
cavadela cada minhoca.
O Rei sentia-se confortável com as regras e com a postura de
neutralidade adoptada, com o tempo os Príncipes vão se entender.
Estas regras básicas foram quebradas uma única vez, com o “meu”
belo casaco branco, o Rei faz as regras, as regras são para ser cumpridas, mas
sempre que o Rei entender que existe uma excepção a considerar essa excepção
passa a lei por ordem do REI!
O “MEU” LINDO CASACO
BRANCO
O “meu” lindo casaco branco chegou ao palácio dia de natal,
era branco sujo que poderia funcionar perfeitamente todo desabotoado com uma
t-shirt qualquer, oferecido pela namorada do príncipe o casaco foi
completamente desconsiderado e arrumado a contragosto no lado errado do
armário.
O Rei que presava a ordem no seu palácio no dia seguinte apreçou-se
a reordenar o armário vestindo o lindo casaco.
Rosnar para aqui, rosnar para ali o casaco passou a ser posse
do Rei, durou quase 20 anos.
Em 2012 já casado e reinando noutro palácio aplanando o
terreno pergunto, amor viste aquele casaco, branco de bombazine muita giro?
- Isso? Foi fora o ano
passado, estava velho, todo russo, debotado e com as golas a romper…
- Então e não disseste
nada?
- Disse nos 3 anos
anteriores e o casaco foi ficando…
As mulheres da vida do rei são todas cruéis e não entendem
nada de moda.
Tu, Princesa do meu Principezinho tens uns sapatos bastante
feios, procurei com carinho e afinco utilizando o link que me deste descubrir outros da mesma marca ainda
mais feios.
Encontrei!